09/10/2017

Já pensou em ir ao supermercado e comprar um Jequitibá ou Cedro rosa? Parece coisa de ficção, não é mesmo? Porém, talvez num futuro não muito distante, tenhamos acesso a sementes de árvores nativas ao alcance das mãos, em prateleiras nos supermercados. Pelo menos é o que esperam os pesquisadores do Instituto Florestal do Estado de São Paulo (IF). “A técnica de liofilização de sementes florestais desenvolvida pelos pesquisadores do IF, a partir da década de 1980, permite a conservação das sementes sem a perda de suas propriedades. O IF foi pioneiro nos estudos de liofilização de sementes florestais e esperamos que um dia essa técnica chegue ao público em geral, através da comercialização de sementes liofilizadas em lojas especializadas, como ocorre com as bananas liofilizadas, por exemplo, que hoje são comercializadas em supermercados”, explica o Dr. Antonio da Silva, pesquisador científico e chefe da Seção de Silvicultura do Instituto Florestal (IF).

A liofilização é um processo de desidratação em que a semente é congelada a vácuo e o gelo formado é sublimado, isto é, a água passa diretamente do estado sólido para o gasoso. Uma das vantagens desse processo é que as sementes são desidratadas sem alteração em sua composição química e, se forem acondicionadas corretamente em embalagem impermeável e hermética para que não absorvam umidade, elas podem ser armazenadas em condições normais de laboratório, ou seja, com variação de temperatura e umidade relativa por um longo período de tempo sem a sua deterioração.

Esse é um dos diversos estudos que foram conduzidos na Seção de Silvicultura do IF. Essa Seção desenvolve pesquisas com sementes de espécies florestais, conduzidas pelos pesquisadores Dr. Antonio da Silva, Dr. Sérgio Roberto Garcia dos Santos e Ma. Márcia Regina Oliveira Santos, no Laboratório de Sementes, sediado no Instituto Florestal, no Parque Estadual Alberto Löfgren. Estes estudos têm o objetivo de gerar conhecimentos técnicos e científicos com sementes florestais, para atender à crescente demanda dos diferentes segmentos do setor florestal.

Pesquisas com sementes: das exóticas às nativas

A Seção de Silvicultura do IF vem atuando na pesquisa florestal desde a década de 1960, contribuindo com informações que vão desde a colheita das sementes, secagem, extração e beneficiamento de espécies florestais nativas e exóticas.

Inicialmente, as pesquisas eram mais direcionadas às espécies exóticas dos gêneros Eucalyptus e Pinus. As sementes destes gêneros eram resultantes das pesquisas feitas pelo Programa de Melhoramento Genético, do Instituto Florestal, pertencente à outra grande área de pesquisa do IF – Conservação e Melhoramento Genético. Nessa época, a Seção de Silvicultura era responsável pelo fornecimento das sementes para atender a uma grande demanda, em consequência dos reflorestamentos para fins industriais.

A partir da década de 1980, as pesquisas da Seção de Silvicultura voltaram-se para as espécies florestais nativas e, desde então, têm-se concentrado nas áreas de ecologia da germinação, fenologia e maturação, tecnologia de sementes, conservação de sementes e análise de vigor, entre outras. As pesquisas são conduzidas com o intuito de atender às necessidades da população, no que se refere a reflorestamentos, recuperação de áreas alteradas e arborização urbana, fornecendo informações que podem ser utilizadas na produção de sementes e mudas.

Informações geradas: da germinação ao armazenamento

O pesquisador científico Dr. Sérgio dos Santos explica alguns dos estudos que são realizados no Laboratório de Sementes: fatores como temperatura, tipo de substrato e luminosidade são determinantes na germinação de uma semente. Assim, trabalhamos tentando compreender o que ocorre com aquela espécie na floresta. Identificamos, por exemplo, qual afinidade da espécie com a presença ou ausência de luz em relação ao processo de germinação, qual o melhor substrato e qual a faixa adequada de temperatura para a germinação.

Os substratos testados são vermiculita, papel mata borrão, papel toalha e areia. Esses substratos nada mais são que uma simulação da terra na qual a semente seria plantada, explica o Dr. Silva. A umidade requerida para germinação das sementes de uma determinada espécie pode ser recomendada quando são testados diferentes substratos e níveis de umidade. Por exemplo, a vermiculita retém mais água que a areia, logo uma espécie que responde bem à areia é uma espécie menos exigente a água, complementa o pesquisador. A partir dos resultados desses estudos, obtêm-se informações sobre as melhores condições para a germinação das sementes para cada espécie.

Pesquisador Sérgio dos Santos

Mas, por que é importante saber as condições nas quais determinadas espécies germinam? “Os resultados dessas pesquisas permitem entendermos o comportamento das espécies no ambiente natural. Por exemplo, se a semente germina em uma temperatura mais elevada, isso indica que provavelmente é uma espécie que pode ser plantada a céu aberto; já outra que germina em temperatura mais baixa provavelmente requer sombreamento para germinar”, explica o Dr. Silva. Ainda na linha de pesquisa da Ecologia da Germinação, são realizados experimentos que usam diferentes tipos de luz (branca, vermelha, vermelha extrema e verde) para compreender qual a luminosidade que favorece a germinação das sementes de uma determinada espécie.

As informações geradas pelos pesquisadores são de grande utilidade para outras pesquisas científicas, laboratórios de análises de sementes, empresas comercializadoras de sementes e produção de mudas. O Dr. Santos explica: “O Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento emite protocolos que orientam os laboratórios de todo o país como proceder nas análises de sementes e emitir seus boletins. Alguns destes protocolos são embasados em estudos feitos por pesquisadores desta Seção”.

Outra linha de pesquisa dentro do Laboratório de Sementes aborda os tratamentos para a quebra de dormência de sementes, os chamados tratamentos pré-germinativos. A dormência de sementes é uma condição na qual a semente não germina, mesmo em condições ambientais favoráveis. Essa é uma estratégia que as plantas desenvolveram ao longo da sua evolução para assegurar que a germinação de suas sementes se distribua ao longo do tempo. São várias as causas de dormência de uma semente e os estudos conduzidos pelos pesquisadores do IF testam diferentes tratamentos para verificar qual ou quais deles são os mais efetivos para cada espécie. “A condição de dormência da semente não é interessante para o homem, quando se quer a germinação das sementes, seja na agricultura ou na silvicultura, através da análise de sementes ou da produção de mudas, portanto, os estudos nessa linha buscam métodos pelas quais essa dormência pode ser quebrada”, explica o Dr. Santos.

O Dr. Santos menciona que também são realizados no Laboratório de Sementes, a determinação de teor de água e os testes de vigor. O teor de água de uma semente é uma informação extremamente útil em diferentes fases dos estudos envolvendo sementes, desde a colheita até o seu armazenamento. “Por exemplo, essa informação pode ajudar na identificação do ponto de maturação da semente, pois conforme vai se desenvolvendo o seu teor de água, que é alto no início do processo, vai diminuindo e quando está próximo da maturação decresce mais acentuadamente e a partir de então acompanha a umidade do ambiente. Desta forma, o teor de água é um dos indicadores da época de colheita das sementes, no estudo de maturação, que é outra linha de pesquisa conduzida pelo Laboratório de Sementes do IF”.

No caso do armazenamento, o pesquisador explica que existem as chamadas sementes ortodoxas, que são aquelas sementes que toleram secagem e podem ser armazenadas sob baixa temperatura e umidade, para a preservação de suas propriedades. “A determinação do teor de água de um lote indica se essas sementes devem passar ou não por um processo de secagem (no caso das ortodoxas) antes de irem para a câmara de armazenamento, para garantir um maior período de viabilidade destas”.

Em relação ao vigor de uma semente, o Dr. Santos explica que essa é uma característica que diz respeito à capacidade de uma semente de germinar e produzir uma plântula normal. A perda do vigor decorre da deterioração da semente, resultante de alterações físicas, fisiológicas e bioquímicas que ocorrem na semente ao longo do seu ciclo de vida. Para entender melhor, o pesquisador usa uma explicação mais didática: “É como se colocássemos várias pessoas numa mesma sala, aparentemente são todas normais. Mas algumas fumam, algumas se alimentam mal, já outras têm hábitos mais saudáveis. Algumas são mais velhas e outras mais jovens. Aí todas essas pessoas são expostas a um vírus da gripe. Logicamente elas responderão de maneira diferente, provavelmente as pessoas mais jovens e que possuem hábitos saudáveis têm maior vigor e sairão ilesos dessa exposição”.

Mas, qual a importância dos testes de vigor? “Estes testes são importantes porque orientam a comercialização das sementes, por exemplo. Quando se tem vários lotes armazenados, qual deles deve ser comercializado primeiro? Entre lotes de uma determinada espécie com percentuais de germinação próximos, aquele com menor vigor deve ser comercializado primeiro. Os níveis de vigor caem mais rápido que os valores de germinação”.

Importância da pesquisa para conservação da biodiversidade

Outra importante linha de pesquisa conduzida no Laboratório diz respeito ao armazenamento das sementes. Essa linha busca determinar para cada espécie quais são as melhores condições e embalagens para o armazenamento, a fim de garantir a manutenção da qualidade das sementes.

A pesquisadora científica Márcia Regina Oliveira Santos exemplifica sua importância comentando a respeito de espécies que possuem sementes de vida útil curta, de poucos meses após a colheita, quando permanecem em ambientes não controlados.  Porém, através de informações obtidas em estudos de armazenamento, as sementes podem permanecer viáveis por períodos de vários anos, em alguns casos, quando armazenados nas condições adequadas de temperatura e umidade relativa (U.R.) do ambiente. Esses estudos são desenvolvidos comparando diferentes condições de armazenamento: condições normais de laboratório (temperatura e U.R. variáveis), câmara fria (5 ºC e U.R. = 85%) e câmara seca (21 ºC e U.R.= 45%) e de tipos de embalagem (sacos plásticos permeável, semipermeável e impermeável, recipientes de vidro e sacos de papel).

Pesquisadora Márcia Regina Oliveira Santos

“Tais estudos são importantes para possibilitar a conservação de sementes das espécies florestais nativas, pois além das dificuldades encontradas na obtenção de sementes de diversas espécies (colhedores treinados, árvores muito altas ou raras, encontradas em locais de difícil acesso e algumas não dão frutos todo ano), é preciso ampliar sua disponibilidade para além de sua época de colheita. Além das condições mais adequadas de armazenamento, são estudados outros fatores que influenciam a deterioração das sementes. Essas pesquisas são importantes porque contribuem para a manutenção da biodiversidade, fornecendo informações que possibilitem a conservação das espécies em longo prazo (décadas ou mais), em bancos de sementes. A relevância dessa linha de pesquisa para a conservação das espécies é ainda maior para aquelas que se encontram ameaçadas de extinção, por exemplo o pau-brasil”.

Outro ponto é destacado pelo Dr. Santos: “Tanto na recuperação de áreas degradadas, quanto em outras áreas que empregam insumos florestais, trabalhar com sementes de boa qualidade é uma premissa básica. Um exemplo disso diz respeito ao custo de restauração de uma área. Esse custo é menor quando se tem menos mortes das mudas plantadas. Para tanto, as sementes que geraram as mudas influenciarão nesse custo. Assim, os testes que realizamos aqui dão as informações, por exemplo, dos melhores lotes para a produção das mudas que irão compor o projeto de restauração florestal”, explica o pesquisador.

A finalidade maior desses estudos é a conservação das espécies florestais. O conhecimento gerado ao longo dos anos, através das pesquisas conduzidas na Seção de Silvicultura, está reunido em inúmeros artigos científicos publicados a partir da década de 1980, na Revista do Instituto Florestal, na IF Série Registros, bem como em outros periódicos relacionados. Já foram publicados também dois livros, “Sementes Florestais Tropicais” (1993) e “Sementes Florestais Tropicais: da ecologia à produção” (2015), além de dois manuais técnicos, “Manual Técnico de Sementes Florestais” (1995) e “Manejo de Sementes de Espécies Arbóreas” (1995). O chefe da Seção destaca ainda outra grande contribuição do IF na história florestal brasileira: “A Seção teve uma importante participação também na definição da legislação brasileira sobre sementes florestais, com o Workshop realizado no Instituto Florestal, quando os especialistas de todo o país discutiram as normas que compuseram o Sistema Nacional de Sementes e Mudas”.

Coleta de Sementes: onde tudo começa

Todos esses estudos e a produção de sementes pela Seção de Silvicultura só são possíveis graças ao trabalho que se inicia em campo – a colheita das sementes. Esse é um trabalho árduo que é realizado por funcionários especializados – os colhedores de sementes, nas Unidades do interior do Estado de São Paulo.

“Eu comecei a trabalhar na qualidade de colhedor de sementes em maio de 1987, na Estação Experimental de Mogi Guaçu. Na época éramos chamados de Sementeiros. Agora estou na função Auxiliar de Recursos Ambientais, o nome mudou, mas ainda desempenho as mesmas funções. Eu saio para o campo e trabalho com a coleta de material botânico, colheita de sementes e poda de árvores”, explica Dirceu de Souza, funcionário fundamental para a produção de sementes pelo IF.

As sementes são colhidas em sua maioria ainda dentro dos frutos, nas copas das árvores. Os colhedores utilizam duas técnicas: a escalada com esporas e a escalada com rapel. Souza explica que desenvolveu a técnica do rapel porque era difícil usar a espora em árvores muito altas e grossas, “já escalei árvores com 50 m de altura e com um diâmetro muito grande. Eu precisava de uma técnica mais eficiente para essas árvores e, a partir das observações que fiz de escaladores, eu adaptei a técnica do rapel para o meu trabalho”.

Para Dirceu, essa atividade é mais que um trabalho, é a sua contribuição para conservação da natureza: “Eu tenho muito orgulho desse trabalho. Ele me garante muita satisfação, não só pelo meu sustento, mas porque ele me traz qualidade de vida e satisfação ao ter em mente que contribuo para a conservação das espécies que colho”.

Texto: Tamires Gonçalves (Bolsista FAPESP do Programa Mídia Ciência) – Informações e revisão: pesquisadores científicos da Seção de Silvicultura

 

SAIBA MAIS

Semente: É a unidade de reprodução sexuada da planta (produto da união dos gametas feminino e masculino), que permite a propagação genética da espécie. É por meio da semente também que a espécie se move! Isso porque as sementes são levadas a vários lugares através do vento, da água e dos animais. Geralmente é formada por três partes: o tegumento (a casca), o embrião (que dará origem à nova planta), e endosperma que é o tecido de reserva (que pode ou não estar presente).

Semente ortodoxa: semente que sobrevive a secagem e congelamento, para a conservação ex situ (fora do ambiente natural).

Semente recalcitrante: semente que não sobrevive a secagem e congelamento.

Germinação da semente: processo de crescimento do embrião contido dentro da semente, dando origem à plântula. Esse processo é iniciado quando as condições do meio em que a semente se encontra são favoráveis (temperatura, umidade, oxigênio e luz, em alguns casos).

Maturação da semente: a semente é como se fosse um feto. Com o desenvolvimento do fruto, começa também o desenvolvimento da semente, como se fosse um feto dentro da barriga da mãe. Então, o período desde o começo do desenvolvimento da semente até o momento em que essa semente se separa da árvore, é chamado de período de maturação.

Beneficiamento de sementes: processo para se conseguir uma semente sem vestígios de frutos e outros materiais. É a limpeza das sementes, separando-as do material indesejável (pedaços de frutos, de galhos, folhas, etc.). O processo de beneficiamento de sementes florestais nativas é mais artesanal, diferentemente do processo de beneficiamento de espécies agrícolas.

Fruto: estrutura que protege a semente e deriva do ovário das flores. Formados geralmente por três partes: o exocarpo (camada conhecida como casca), o mesocarpo (camada intermediária, suculenta, conhecida como polpa) e o endocarpo (camada resistente mais interna que envolve as sementes).

Fruto deiscente: fruto que se abre na maturação (ex.: sibipiruna, olho-de-cabra, óleo-de-copaíba, ipês, cedro, jequitibá).

Fruto indeiscente: fruto que não se abre espontaneamente (ex.: jatobá, pau-ferro, cabreúva-vermelha).

Essências florestais: termo técnico usado para denominar as espécies que ocorrem dentro de uma mata (= espécies florestais).

Espécie nativa: é uma espécie que ocorre naturalmente em um determinado ecossistema, região e/ou país.

Espécie exótica: é uma espécie que não é natural do ecossistema, região e/ou país onde se encontra cultivada.