28/09/2017

A plantação de árvores, a supressão de incêndios e a exclusão da megafauna herbívora são estratégias de restauração ecologicamente razoáveis em paisagens desmatadas, porém intervenções semelhantes podem ser catastróficas quando aplicadas a pradarias, como os pampas e savanas. A questão foi levantada pelo texto “Tyranny of trees in grassy biomes”, produzido pela pesquisadora do Instituto Florestal, Giselda Durigan, em parceria com cientistas de instituições brasileiras, francesas, americanas e sul-africanas, publicado na edição de janeiro de 2015 da revista Science.

Diante do atual contexto onde tem se observado cada vez mais um aumento da esperança de que os projetos de crédito de carbono financiarão a restauração florestal, a publicação levanta necessidade de se distinguir claramente o que é “reflorestamento” e o que é “florestamento”, alertando para o perigo da florestação de biomas campados.

O reflorestamento consiste no plantio de árvores em terras que já foram florestas e encontram-se desmatadas), enquanto que o florestamento é a conversão de terras não florestadas em florestas ou plantações de árvores.  A publicação traz o importante alerta de que o florestamento dos biomas campados poderá comprometer seriamente os serviços ecossistêmicas prestados por estes biomas, incluindo a hidrologia e os ciclos de nutrientes do solo, além de reduzir acentuadamente a biodiversidade destes locais.

Apesar dos elevados custos ambientais, esses biomas são alvos prioritários dos programas de sequestro de carbono focados no plantio de árvores. As ameaças do florestamento são ainda agravadas porque esses biomas não são formalmente reconhecidos pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, pelo Programa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, nem pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Essa falta de reconhecimento reflete em percepções errôneas fundamentais a respeito da ecologia, valores de conservação e valores históricos destes biomas.

O mapa do Instituto Mundial de Recursos (WRI) de “Oportunidades de restauração de florestas e paisagens” serve como um exemplo dessas percepções errôneas. Tal mapa identifica 23 milhões de km² da biosfera terrestre como altamente adequado para o plantio de árvores. No entanto, grande parte da área destinada à “restauração florestal” corresponde aos antigos biomas de campos do mundo. A WRI assume erroneamente que as áreas não florestadas onde o clima poderia teoricamente permitir o desenvolvimento florestal são “desmatadas”, uma suposição enraizada em ideias ultrapassadas sobre a vegetação potencial e os papéis do fogo e dos herbívoros em sistemas naturais. O mapa tem a intenção de ser uma ferramenta para ajudar a cumprir o Desafio de Bonn de “restaurar 150 milhões de hectares das terras desmatadas e degradadas do mundo até 2020”. Embora muitos ecossistemas dentro dos biomas gramados possam se beneficiar da restauração ecológica, as estratégias de restauração propostas pela WRI são incompatíveis com a biodiversidade das pradarias.

Entre as paisagens corretamente identificadas como desmatadas pelo mapa do WRI, extensas áreas de agricultura não são consideradas oportunidades de restauração. Claramente, o rendimento econômico das terras agrícolas tornam o reflorestamento dessas terras economicamente inviáveis. A publicação da Science discute o fato de que as tentativas de compensar o desmatamento devido a atividades agrícolas através da florestação dos biomas de campo simplesmente agravarão as perdas de biodiversidade e comprometerão os serviços ecossistêmicos.

O mapa de “Oportunidades de restauração de florestas e paisagens” foi produzido e analisado por influentes organizações científicas e ambientais, o que lhe dá legitimidade. Os pesquisadores parceiros de Giselda nessa publicação destacam que é preocupante que tal análise cientificamente falha esteja “pronta” para promover o plantio de árvores de forma mal-informada e que isso acarreta na desvalorização destes biomas em relação às florestas.

“Nos preocupamos com o fato de que os projetos de reflorestamento enfrentarão uma resistência pública limitada e que análises como este mapa escaparão ao escrutínio científico, posto que o plantio de árvores seja visto como algo inato e os biomas de campos sejam considerados resultado do desmatamento”, ressaltam os autores do texto.

Com essa publicação fica o alerta de embora o desmatamento e a degradação florestal sejam problemas críticos que devam ser enfrentados, os tomadores de decisão devem levar em consideração o valor de muitos biomas naturalmente não florestais que também enfrentam tremenda pressão por mudanças ambientais causadas pelo homem.

Para ler o texto na íntegra acesse: http://bit.ly/2kQppOF

 

Texto: Tamires Gonçalves (Bolsista FAPESP do Programa Mídia Ciência)

Mais informações: Pesquisadora científica Dr. Giselda Durigan. Telefone: (18) 33217363. E-mail: giselda.durigan@gmail.com.