21/09/2017


Pesquisadores do Instituto Florestal (IF) descobriram uma nova espécie de árvore na Serra da Mantiqueira. A Ocotea mantiqueirae faz parte da família das Lauraceae, conhecidas popularmente como canelas, e foi encontrada em uma área de difícil acesso, no município de Pindamonhangaba (SP).

Mas como se dá o processo da descoberta de uma nova espécie botânica? Os pesquisadores científicos do IF, Frederico Arzolla, João Batista Baitello e Francisco Vilela contam como foi esse processo.

 

O processo da descoberta

Em 2005, o pesquisador Frederico Arzolla estava procurando uma área para realizar sua pesquisa de doutorado. Tendo trilhado por vários pontos da Serra da Mantiqueira, soube pelo seu colega pesquisador do IF, Alexsander Antunes, da Fazenda de São Sebastião do Ribeirão Grande no município de Pindamonhangaba, pertencente Grupo Votorantim (Fibria Celulose S.A).

“Eu queria estudar as florestas alto-montanas. Conversei com o pessoal da empresa e escalaram o funcionário Donizete Brás para me acompanhar. A partir dos 900 metros de altitude, começamos uma subida íngreme pela floresta. Não havia trilhas marcadas. Fui acompanhando a altitude pelo GPS. Quando alcançamos a faixa dos 1.500 metros, a floresta começou a mudar: comecei a observar árvores que nunca tinha visto. Eram indivíduos imensos, de grande porte da espécie Ocotea curucutuensis. A maior tinha três metros de diâmetro. Só que não eram muito altas”, narra Arzolla.

Ramo com flores

O pesquisador explica que as árvores dali são vulneráveis à constante incidência de ventos fortes, não ficando muito altas, pois elas vão quebrando. Apesar das bases dos troncos alcançarem mais de 1 metro de diâmetro, os caules são múltiplos e finos e a copa é falhada.

“Após 5 horas de caminhada, alcançamos uma crista de declividades mais suaves. Finalmente tínhamos chegado à floresta alto-montana.  Observamos as espécies e fizemos a coleta da até então desconhecida Ocotea mantiqueirae, que estava com frutos”, prossegue o pesquisador.

Retornando à sede do Instituto Florestal, na capital paulista, Arzolla mostrou o material botânico ao taxonomista e especialista da família Lauraceae,pesquisador João Batista Baitello, que ficou surpreso e afirmou que poderia se tratar de uma nova espécie. Mas para se ter certeza, era necessário coletar o material botânico completo, ou seja, os ramos com flores e frutos.

Não tendo encontrado a espécie em em outras áreas da Mantiqueira, Arzolla, Baitello e o pesquisador Francisco Vilela decidiram retornar, em 2012, ao ponto em que havia sido realizada a primeira coleta. Refazer o caminho de 2005 não seria fácil. A trilha era difícil, mas eles tinham certeza que encontrariam a espécie ali. “Por sorte o Donizete ainda estava trabalhando lá. E conseguimos, seis anos depois, refazer o caminho, subindo apoiando em troncos de juçara e samambaias”, conta Arzolla. Os pesquisadores chegaram ao mesmo local e coletaram ramos com flores. Tiveram ainda que voltar outras vezes, para coletar material suficiente para a descrição da espécie.

Ilustração botânica original da espécie

“Na segunda vez foi mais emocionante. Nós nos perdemos. Pegamos um caminho errado e quase tivemos que dormir na mata. Na terceira vez fizemos as medições, para ter idéia de número de indivíduos (para saber o tamanho da população), altura e circunferência dos troncos”, relata Arzolla. Foram três anos de acompanhamento do florescimento e da frutificação da espécie.

Em paralelo aos trabalhos de coleta da espécie e caracterização do ambiente onde ela ocorre. Baitello analisou as primeiras coletas e verificou que as flores eram de um único sexo. “Era preciso coletar em outras árvores para termos flores do sexo oposto. Ocotea mantiqueirae, assim como parte das Lauraceae, produz flores masculinas e flores femininas em árvores separadas, as unissexuadas. De posse das diferentes coletas foi possível verificar que o conjunto dos caracteres das flores, frutos e folhas tornava esses exemplares únicos, portanto diferentes das espécies já conhecidas do gênero e da família. O passo seguinte foi preparar uma descrição detalhada da espécie e em quais detalhes ela se diferenciava das espécies semelhantes, revisar a literatura sobre o gênero e a família, dar-lhe um nome científico e fazer as ilustrações necessárias, organizando as informações em um artigo científico”, conta Baitello.

Os autores destacam a importância da qualidade do olhar do taxonomista neste processo para perceber se o material pode ser algo novo. Mas do momento que se aponta a possibilidade de uma nova espécie, até a comprovação, existe um intenso trabalho. “Esse processo é um misto de acaso, da percepção do taxonomista e da persistência”, contam os pesquisadores.

Baitello não encontrou material da espécie em herbários. A espécie também não foi citada nos levantamentos florísticos realizados até o momento. Isso mostra que a Ocotea mantiqueirae tem uma distribuição conhecida muito restrita. “Embora, não tenhamos conseguido localizar em outras áreas, vamos fazer um projeto para descobrir outras áreas de ocorrência e a distribuição da espécie”, revela Arzolla.

As florestas alto-montanas ainda são um dos ambientes menos conhecidos no estado de São Paulo. O potencial de descoberta de novas espécies é muito alto. Mas os locais são de difícil acesso e por isso muitas espécies continuam desconhecidas até hoje.

 

Espécie em perigo

A nova espécie tem uma população pequena e a ocorrência bastante restrita. Até o momento, se tem conhecimento de apenas uma única população da espécie.

De acordo com os critérios da Lista Oficial de Espécies da Flora Ameaçada de Extinção no estado de São Paulo, da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais das espécies ameaçadas (IUCN) e do Livro Vermelho da Flora do Brasil, a espécie está em perigo.

Por ocorrer apenas em ambiente de serra, a espécie é vulnerável a eventos naturais, como deslizamentos, por exemplo. Apesar de vulnerável a questões do meio físico e fatores naturais, o difícil acesso à região faz com que a espécie esteja protegida de questões antrópicas.

A descoberta da nova espécie foi publicada na Revista Rodriguésia, publicação oficial do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com autoria dos pesquisadores científicos João Batista Baitello, Frederico Alexandre Roccia Dal Pozzo Arzolla e Francisco Eduardo Silva Pinto Vilela.

Acesse o artigo

 

Ocotea curucutuensis

A visita do pesquisador Frederico Arzolla à Fazenda de São Sebastião do Ribeirão Grande, em 2005, também deu origem a outro trabalho, publicado em 2009 na Revista Biota Neotropica.

Durante a caminhada, foram avistadas árvores e coletados materiais de Ocotea curucutuensis, espécie que havia sido descoberta por seu colega Baitello e publicada anos antes (2001). Pela semelhança com outra espécie (Ocotea spixiana), esta espécie permaneceu confundida e desconhecida por mais de cem anos, desde que seu primeiro material botânico foi coletado pelo naturalista francês Auguste Glaziou, em 1888.

A coleta da espécie na Serra na Mantiqueira deu origem a um trabalho de revisão sobre sua distribuição, que até aquele momento, acreditava-se ser restrita ao Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar.

Foram levantados os registros das duas espécies na base de dados do Species-link do Centro de Referências em Informação Ambiental (CRIA). Com base nesses registros, foram examinadas as exsicatas depositadas em três herbários representativos da Região Sudeste: Instituto Florestal, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Universidade Estadual de Campinas.

A partir desta análise, verificou-se que alguns materiais registrados nos herbários como Ocotea spixiana eram na verdade Ocotea curucutuensis. As coletas de O. spixiana propriamente ditas eram todas de Cerrado típico e não de floresta. Ocotea curucutuensis apresenta uma ampla distribuição nas florestas das partes altas da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira, nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Acesse o artigo

 

Lista de espécies descobertas por Baitello

O pesquisador científico João Batista Baitello possui em seu currículo nada menos do que 10 espécies novas para a ciência. Segue abaixo a lista, todas da família Lauraceae:

 

Pesquisadores científicos Vilela, Baitello e Arzolla

 

Fotos: Acervo Instituto Florestal (João Batista Baitello/Paulo Muzio)

Texto: Paulo Muzio

Mais informações: João Batista Baitello – Tel. (11) 2231-8555 Ramal 2072 / Frederico Arzolla – Ramal 2133 / Francisco Vilela – Ramal 2105