06/09/2017

O Horto Florestal de Botucatu abriga um dos poucos remanescentes de Cerrado do estado de São Paulo. Este pequeno fragmento de área natural protegida, com apenas 33,8 hectares, está sob a gestão do Instituto Florestal (IF) e possui apenas 6% de área coberta por vegetação arbórea.

Mas qual a importância de se conservar uma área tão pequena e com poucas árvores? Um estudo publicado na mais recente edição da Revista do IF busca responder a esta questão.

O Cerrado é composto por um mosaico de fisionomias florestais, savânicas e campestres. As fitofisionomias campestres e as plantas do estrato herbáceo-arbustivo têm sido pouco estudadas. Pelo seu desconhecimento, poucos esforços têm sido empreendidos em sua conservação.

A pesquisadora científica do IF Giselda Durigan, uma das autoras do estudo, afirma que as leis existentes que protegem o Cerrado são muito enviesadas para os tipos de vegetação que têm árvores. “Essas têm alta proteção. Mas os campos estão praticamente desprotegidos. Os campos úmidos estão indiretamente protegidos, quando a Lei do Cerrado (Lei nº 13.550/2009) determina que é vedada a supressão de qualquer fisionomia quando se tratar de vegetação protetora de mananciais. O problema é que não é amplo o entendimento de que campos úmidos exercem proteção extremamente importante aos recursos hídricos.” explica Giselda. A pesquisadora esclarece que para o Cerrado stricto sensu e o cerradão (que são fisionomias arbóreas) a lei é bastante rigorosa. “Não impede totalmente a supressão, mas exige restauração de área bem maior do que a que foi destruída” pondera.

A pesquisa
Em março de 2016, foram realizadas 10 horas de caminhada pelas áreas de vegetação campestre do Horto de Botucatu e registradas todas as espécies vegetais observadas.

Para cada espécie, foi observada o hábito. “A classificação em hábito está relacionada com a forma de crescimento da planta e, assim, sua morfologia na fase adulta. São exemplos de hábito as seguintes classificações: ervas, subarbustos, arbustos e árvores” explica Natashi Pilon, doutoranda em Ecologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e co-autora no estudo.

As espécies foram identificadas em campo e, nos casos em que não era possível, o material foi coletado para identificação posterior com base na literatura e análise em herbário. Foram registradas 210 espécies nativas. Apenas 5% foi levada para identificação posterior. “Essa baixa porcentagem se deve ao fato de estarmos trabalhando com espécies campestres do cerrado há pelo menos sete anos, nos permitindo a segurança de identificar a maioria das espécies em campo. Além disso, contamos com um grande acervo fotográfico de mais de 500 espécies do estrato herbáceo-arbustivo do cerrado do estado de São Paulo. As fotos estão devidamente identificadas e irão compor um guia de identificação” anuncia Natashi.

Das espécies registradas, a maioria foi de ervas (61%), seguidas de arbustos e subarbustos. Espécies arbóreas representaram apenas 6%. “Todas as espécies são igualmente importantes, quer sejam capins, arbustos ou árvores. Mas, ali, as espécies mais preciosas pela sua raridade não são árvores. As raras árvores que se encontram nos campos da unidade ocorrem também em praticamente todos os fragmentos de Cerrado de SP.” relata Giselda. A pesquisadora destaca que o estudo se baseou nos campos, mas a unidade preserva também uma mata de brejo (mata de galeria inundável) que é um ecossistema florestal extremamente frágil e altamente relevante para a proteção dos recursos hídricos.

Entre as espécies levantadas, seis estão ameaçadas de extinção em São Paulo. O texto do artigo indica ainda que é de se estranhar a ausência de espécies de Eriocaulaceae na lista de espécies ameaçadas do estado, visto que a família ocorre exclusivamente em campos úmidos (fisionomia de cerrado praticamente dizimada). Logo, não é possível dizer se correm risco ou se simplesmente não foram avaliadas. Há inclusive espécies que podem desaparecer antes mesmos de serem avaliadas. Embora não estejam apontadas nas listas vermelhas, 19 das espécies amostradas na área possuem menos de dez espécimes depositados em coleções botânicas que tenham sido coletados no estado de São Paulo.

Além das espécies nativas, foram identificadas também exóticas invasoras. “Os campos secos do Horto de Botucatu estão parcialmente invadidos por gramíneas africanas, especialmente braquiária, e a restauração, neste caso, deve ser a erradicação da gramínea exótica e reintrodução dos capins nativos. A natureza, sozinha, não é capaz de fazer este trabalho, infelizmente.” explica Giselda. No entanto, Natashi informa que grande parte do Horto ainda é coberta por fisionomias campestres com pouca ou nenhuma invasão, realidade rara no Estado de São Paulo, ressaltando a necessidade de conservar esse relicto.

 

A importância da área

Desde a criação da unidade na década de 1960, nenhuma obra ou intervenção foi realizada no Horto Florestal de Botucatu, tendo sido preservados os ecossistemas naturais.

Mata de galeria inundável: frágil e importante na proteção dos recursos hídricos

Giselda explica que a área tem forte potencial para a realização de pesquisas, sobretudo, devido à raridade dos ecossistemas ali presentes. Além disso, a unidade está próxima a universidades que têm grupos sólidos de pesquisa em ecologia vegetal e de ecossistemas. O  fato da unidade estar no perímetro urbano de Botucatu possibilita visitas escolares com baixo custo, o que dá à área potencial para a educação a educação. Trata-se de uma oportunidade rara de sensibilizar as comunidades sobre a importância, a biodiversidade e o funcionamento de ecossistemas naturais campestres, inclusive quando da passagem do fogo, que é natural nesses ecossistemas. “Com muito pouco investimento em infra-estrutura (uma trilha no campo, uma trilha suspensa nos ambientes úmidos e alagadiços e uma base mínima para receber visitantes), seria possível transformar o Horto de Botucatu em um importante centro de pesquisa e divulgação do conhecimento sobre o Cerrado” revela a pesquisadora.

Conforme o texto do artigo, a constatação de que há uma riqueza de ecossistemas quase extintos em uma área tão pequena traz uma nova diretriz para as de estratégias de conservação da natureza. Entende-se, a partir deste estudo, que a conservação de fisionomias campestres não depende de áreas extensas. Deste modo, apesar de se tratar de uma área pequena, levando em consideração a importância do Horto Florestal de Botucatu para a pesquisa e a conservação, os autores do estudo sugerem a recategorização para Estação Ecológica, que proporcionaria uma maior proteção para a unidade.

 

Horto ou Floresta?

O Horto Florestal de Botucatu foi criado em 1966 por meio do Decreto nº 46.230. Entretanto, de acordo com a análise de documentação e mapas históricos, pelo menos desde 1978 a unidade é chamada de Floresta Estadual de Botucatu.

O Decreto nº 38.391, de1961 confere nova nomenclatura para as dependências do então Serviço Florestal e define como Horto Florestal “unidade com área mínima de 100 hectares com instalação e organização necessárias a trabalhos de fomento e pesquisas no ramo de reflorestamento e silvicultura”. Determina ainda que as unidades atualmente existentes e com área inferior ao mínimo previsto, não se classificam como tal. O Artigo 27 da Lei nº 6.884 de 1962, define que “As matas naturais de todas as Repartições ou Autarquias do Estado deverão ser consideradas como parques ou florestas estaduais”. Contudo, tanto o Decreto quanto a Lei são anteriores à criação do Horto Florestal de Botucatu.

Giselda conta que o artigo havia sido inicialmente escrito tratando a unidade como Floresta. Porém, ao investigarem, foi descoberto que a unidade nunca foi oficialmente declarada Floresta. “Para isso seria necessário um novo decreto, que nunca existiu. Então, mudamos todo o texto do artigo, pois, oficialmente, a unidade é apenas um Horto”, esclarece.

Em consulta, a assessoria jurídica da Secretaria do Meio Ambiente informou que, não havendo um decreto que mudasse a denominação, a unidade segue como Horto.

 

Continuidade…

O artigo é derivado de um projeto do aluno de doutorado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Mário Cava, orientado por Giselda Durigan e co-autor neste estudo. O projeto “Diagnóstico e fatores condicionantes da resiliência da vegetação de Cerrado em pastagens abandonadas” é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e está sendo desenvolvido em várias regiões do estado, dentre elas o Horto de Botucatu. “No próximo ano, novas amostragens serão realizadas no Horto, no âmbito deste projeto, inclusive nas fisionomias florestais, o que permitirá listagens mais completas”, conclui Natashi.

A pesquisa está publicada na Revista do Instituto Florestal, volume 29, nº1. Também são autores do artigo os pesquisadores científicos da casa Leo Limback e Marcos Aurélio Nalon.

Acesse o artigo

Fotos: Natashi Pilon e Giselda Durigan

Texto: Paulo Muzio

Mais informações: Pesquisadora científica Giselda Durigan. Tel.: (18) 33217363 / e-mail: giselda.durigan@gmail.com