20/04/2016

Mais de 20 mil pessoas já visitaram a mostra que aborda temas como a fragmentação da paisagem, o atropelamento e o tráfico de fauna silvestre

Se as cidades estão crescendo em direção às áreas naturais, o que está acontecendo com os animais que ali vivem? Esta é uma das reflexões propostas às pessoas que visitam a mostra “Bicho: quem te viu, quem te vê!”, que foi desenvolvida com a colaboração do Instituto Florestal (IF) e ficou em exibição no Museu Florestal Octávio Vecchi até mês passado.

A mostra é um produto do projeto “Exposição Itinerante como Estratégia para a Conservação da Fauna Silvestre da Região Central do Estado de São Paulo”, coordenado pela Dra. Silvia Aparecida Martins dos Santos, do Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Trata-se de uma parceria interinstitucional, formalizada em 2013 entre o CDCC/USP, o Instituto Florestal (IF), a Fundação Florestal (FF) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), para elaborar e executar uma exposição tratando da questão da perda da biodiversidade da fauna silvestre do estado de São Paulo.

De acordo com o pesquisador do IF, Paulo Ruffino, o envolvimento do Instituto com a concepção da exposição se deu a partir de uma pesquisa em educação ambiental elaborada na Estação Experimental Itirapina, que visava a comunicação e a produção de materiais pedagógicos sobre a questão da perda e da conservação de fauna silvestre regional. A partir desta pesquisa, coordenada por Ruffino, em parceria com o CDCC, surgiu a base do projeto da exposição.


Inaugurada em março do ano passado no CDCC/USP, a exposição possui caráter itinerante e já passou por dez locais diferentes contando com o Museu Florestal Octávio Vecchi. Só em São Carlos foram 5 locais – CDCC/USP, Shopping Iguatemi, Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Instituto Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC/USP) e no Simpósio Aprender com Cultura e Extensão. A mostra passou ainda pelas cidades de Itirapina, Santa Rita do Passa Quatro, Porto Ferreira e Luiz Antônio, todas no interior paulista.

No Museu Florestal Octávio Vecchi,  zona norte da cidade de São Paulo, ela esteve aberta ao público de dezembro do ano passado a março deste ano e foi visitada por mais de seis mil pessoas. A mostra ficou um mês no Parque Estadual da Cantareira agora encontra-se em exibição no Parque Estadual Juquery, onde ficará até junho, quando irá para o Parque Estadual Jaraguá (todos na região metropolitana da capital). Retornará em agosto ao CDCC/USP, permanecendo lá até o início de dezembro.

Mais de 20 mil pessoas já visitaram a exposição, sendo este grupo bastante heterogêneo quanto à faixa etária, visto que a exposição contempla locais públicos. “As visitas nos municípios de Santa Rita, Luiz Antônio, Porto Ferreira e Itirapina contaram com parceria local junto às secretarias de educação e, desta maneira, o público do ensino formal foi bem contemplado (em geral ensino fundamental, mas também educação infantil, ensino médio e técnico). Por exemplo, no que tange à educação infantil, em Itirapina, foi até produzido um trabalho a partir das percepções das crianças de 4-5 anos sobre a exposição.”, informa Ruffino.

Embora o projeto inicial da exposição tenha sido pensado para a fauna silvestre da região central do estado de São Paulo, seu caráter itinerante permite que ela possa ser adaptada a outras regiões. Sendo assim, os monitores são sempre orientados a trazê-la para a realidade das regiões onde a mostra está exposta. Além do IF ter produzido um manual de orientação, as instituições envolvidas realizam cursos esporádicos de formação desses monitores.

A exposição conta com painéis informativos, registros fotográficos e ilustrações que contextualizam como se deu a ocupação dos ambientes naturais pelo homem no interior paulista e o que restou destes ambientes. Ao longo das cinco estações temáticas que compõem a exposição, os visitantes ficam frente a frente com o lobo-guará, a jaguatirica, a onça parda, o sauá e o macaco prego – animais taxidermizados (“empalhados”) que são vítimas comuns de atropelamentos na região, além de imagens, sons, objetos e jogos que complementam as atrações.

Por meio da interação dos visitantes com os componentes das estações temáticas e das reflexões propostas, a exposição busca promover a inclusão sociocultural dessas pessoas em discussões sobre os conflitos ligados à temática da biodiversidade da fauna silvestre do estado de São Paulo, sensibilizando-as sobre a importância de protegê-la.

Um dos mais importantes temas da mostra é o atropelamento de animais silvestres, que já foi abordado em outros eventos dentro do IF. Em 2014, o Instituto desenvolveu a campanha “Tenha calma e respeite a fauna”, que tinha como objetivo de sensibilizar os motoristas e motociclistas a respeito da questão do atropelamento de fauna silvestre dentro do Parque Estadual Alberto Löfgren (PEAL), que é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral e onde se localiza a sede administrativa do IF e de outras instituições. Além dessa campanha, o IF promoveu ciclos de palestras dentro dessa temática, com convidados especialistas no assunto, como Fernanda Abra (USP), Marcel Huijser (Montana State University), Milton Ribeiro (Unesp), Giordano Chiochetti (UFSCar) e Kátia Mazzei (IF).

 

Roteiro da Exposição

A questão do atropelamento é abordada na estação ‘Olha o bicho!’, onde os visitantes, através de uma estrada no chão, iniciam a jornada em busca de conhecer os animais da nossa região, os diferentes ambientes onde vivem e aprender sobre eles. A questão da presença de animais atravessando a pista em determinadas localidades, um dos problemas mais comuns em estradas e rodovias, é apresentada através de painéis informativos, sinalizações de trânsito (como faixas no chão de proibido ultrapassagem e placas de direção, indicação e atenção – travessia de animais silvestres), e um lobo-guará taxidermizado, vítima de atropelamento. Nesta estação os visitantes são levados a refletir com a seguinte pergunta: “Será que o lobo invadiu a rodovia ou a rodovia que invadiu o ambiente em que o lobo vive e circula?”. Porém, antes de chegar nesta estação, os visitantes são recepcionados por sons, fotos e um sauá taxidermizado, na abertura da mostra, que visa apresentar a existência de uma biodiversidade, ambientar e instigar o visitante a percorrer a exposição.

Ruffino destaca que o atropelamento de fauna é o tema que mais chama a atenção e sensibiliza os visitantes. “No geral, os impactos são mesmo no que tange ao número de atropelamentos e a peça (lobo) taxidermizada em posição de morta!”, avalia.

A estação ‘Por onde os bichos estão andando?’ busca apresentar a evolução da fragmentação das áreas naturais da paisagem no estado de São Paulo, e a adaptação ou não dos animais frente a este problema, além de sensibilizar para a necessidade, resultante da fragmentação, de se criar áreas protegidas e Unidades de Conservação. Aqui as pessoas são levadas a mais uma reflexão: “Por que os bichos não ficam dentro das Unidades de Conservação?”. É nesse momento que os visitantes são colocados em contado com a ecologia da fauna silvestre, através de conceitos como área de vida das espécies e adaptações a novas configurações da paisagem. São também apresentadas aos visitantes atitudes que podem ajudar a diminuir os casos de atropelamento, como as passagens de fauna, apresentadas em fotos nos painéis.

Seguindo a estrada no chão, o visitante entra na estação ‘Onde os bichos vivem’, na qual podem interagir com os estandes rotativos/cubos com a identificação dos biomas da nossa região – mata ciliar, cerrado e floresta estacional semidecidual. É nesta estação que eles têm a oportunidade de aprender sobre cada tipo de ambiente e quais os animais característicos deles.

A temática do tráfico ilegal de animais silvestres é abordada na estação seguinte, ‘Convivendo com os bichos!’, onde é apresentada a diferença entre animal doméstico e animal silvestre e a relação contemporânea dos seres humanos com animais silvestres. Os visitantes são levados à reflexão sobre ter animais silvestres em casa, se isso é bom para eles, sobre o abandono desses animais e a impossibilidade deles conseguirem sobreviver em ambiente natural após viver em ambientes domésticos. Os visitantes são convidados a levar essa discussão para fora da exposição, com amigos, colegas, vizinhos, e etc. O documentário “Silvestre não é pet!” é indicado aos visitantes como forma de tomar mais conhecimento sobre o assunto.

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Aplicativo Urubu e PL 466/2015

A exposição possui extrema importância no contexto atual, em que a expansão da ocupação humana gera a fragmentação de ambientes naturais, resultando na perda de uma elevada biodiversidade. O Brasil é cortado por uma extensa malha rodoviária, são cerca de 1,7 milhões de quilômetros de rodovias por todo o país, sendo que cada quilômetro de rodovia implica em uma infinidade de impactos ambientais diretos e indiretos à biodiversidade.

O mais visível destes impactos é o atropelamento de fauna silvestre. Dados do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE), da Universidade Federal de Lavras, revelam que cerca de 473 milhões de animais são atropelados por ano no país, o que equivale a aproximadamente 15 animais mortos por segundo. O crescimento econômico do país requer ainda o aumento da malha rodoviária, o que gerará impactos crônicos sobre a biodiversidade em todo o território nacional.

Para ajudar a minimizar estes impactos, foi criado o aplicativo Urubu Mobile, desenvolvido pelo CBEE, também abordado pela exposição. O aplicativo, além de contabilizar o registro de animais silvestres atropelados em estradas, monitora áreas em que os acidentes ocorrem com maior frequência. O Urubu Mobile permite que os cidadãos comuns ajudem na conservação da fauna silvestre. Os usuários registram imagens de animais mortos em estradas e repassam, por meio do aplicativo, para o Sistema Urubu do CBEE, que realiza a contagem e o monitoramento.

Outro ponto que demonstra a relevância da exposição é que ela ocorre no momento da tramitação, no Congresso Nacional, de um projeto de lei (PL 466/2015) que visa a adoção de medidas que possibilitem a circulação segura de animais silvestres no território nacional. Entre essas medidas estão, por exemplo, passarelas ou pontes para a travessia de animais, melhorias na sinalização, a criação de um banco nacional de dados sobre atropelamentos de animais e melhorias nos processos de monitoramento e licenciamento de estradas. A ideia é reduzir as muitas mortes que ocorrem envolvendo pessoas e animais nas estradas e rodovias que cortam o país. O projeto conta com o apoio da sociedade civil organizada: a Rede pró-Unidades de Conservação está por traz da campanha “Diga não ao atropelamento de fauna”, para pressionar sua aprovação, da qual qualquer cidadão comum pode participar.

Assim, ao buscar divulgar informações, conscientizar e incluir os cidadãos em discussões sobre essa temática, a mostra “Bicho: quem te viu quem te vê!” possui grande relevância para propiciar a participação das pessoas nesse processo legal e fomentar outras iniciativas que visem a conservação da biodiversidade.

 

Texto: Tamires Gonçalves e Serviço de Comunicações Técnico-Científicas

Fotos: Acervos CDCC/USP, IF, FF, Câmara Municipal de Itirapina, PRCEU/USP e Reinaldo Mizutani