23/10/2015

Mesmo sendo um dia de chuva, em 22 de outubro o auditório do Instituto Florestal (IF) ficou pequeno para as 188 pessoas que estiveram presentes no IV Seminário Frutos da Mata Atlântica – o sabor da biodiversidade.

“Quando perguntamos às pessoas se elas conhecem frutas nativas, geralmente respondem algo como banana ou coco (que são espécies exóticas)”, conta o empreendedor social Gabriel Menezes. “Cambuci é bairro, Araçá é cemitério e Juçara é o nome da prima”, brinca.

A ideia do evento é debater as potencialidades comerciais das frutas comestíveis do bioma como ferramentas para viabilizar a conservação. Difundir frutas saborosas, nutritivas e tradicionalmente muito apreciadas, mas que não saíram do fundo dos quintais. A divulgação dessas frutas nativas tem, num primeiro momento, o objetivo de abrir mercado e incentivar o cultivo dessas espécies, que geralmente já são utilizadas na restauração desse bioma. Entretanto, para alcançar a frutificação satisfatória, é necessário adotar plantio e manejo apropriados. Desta forma, o Seminário propõe reunir os diversos atores envolvidos neste processo para a troca de experiências (academia, institutos, comunidades rurais, agroindústrias, comércio, restaurantes e consumidores, entre outros).

O evento foi organizado pelo IF em parceria com a Associação dos Bolsistas da Japan International Cooperation Agency (ABJICA) e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA). Teve apoio da Japan International Cooperation Agency (JICA), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fundação Florestal (FF) e as comunidades produtoras do Bairro Rio Preto, Guapuruvu e Instituto H&H Fauser.

Prevendo o grande número de participantes, a organização do evento disponibilizou um telão para que as palestras pudessem ser acompanhadas do lado de fora do auditório lotado. Também foi realizada a transmissão online do evento pela internet em caráter experimental. Acesse os links das transmissões:
https://www.youtube.com/watch?v=VV0pwICVi8E
https://www.youtube.com/watch?v=EAdllYP3_Ls

Programação
A mesa de abertura do evento foi composta por Edgar Fernando de Luca (Diretor Geral do IF), Takeshi Aihara (Vice-Cônsul do Consulado Geral do Japão em São Paulo), Luís Fernando Rocha (Diretor Executivo da FF) Clayton Ferreira Lino (Presidente do Conselho Nacional da RBMA) e Sergio Hiroaki Ishikawa (Presidente da ABJICA). Guenji Yamazoe, idealizador do evento e pesquisador científico aposentado do IF, marcou presença.

A primeira palestra foi apresentada pelo engenheiro florestal Marcelo Mendes do Amaral, da RBMA e pelo empreendedor Gabriel Menezes, do Instituo Auá, que falaram sobre a parceria entre suas instituições para desenvolvimento das cadeias produtivas da sociobiodiversidade do pinhão, do cambuci, do juçara e da erva-mate. Em seguida, o engenheiro agrônomo Kunio Nagai, consultor de agricultura orgânica, falou sobre manejo do solo e adubação no cultivo de plantas nativas. Fechando o período da manhã, o chef Rodrigo Oliveira, dono dos restaurantes “Mocotó” e “Esquina Mocotó”, falou sobre potencial gastronômico de frutos da Mata Atlântica.

O pesquisador científico do IF Miguel Luiz Menezes Freitas abriu os trabalhos na parte da tarde apresentando a pesquisa realizada para a conservação genética do cambucá. Logo após, a professora da UFSCar Suzana Rodrigues Alvarez apresentou o vídeo “Mais Vale uma Juçara em Pé!”. Oscar Graça Couto apresentou o “Projeto Amável: a Mata Atlântica Sustentável” Ao final, a professora da UFSCar Fátima Conceição Márquez Piña-Rodrigues falou sobre o projeto de conservação de ucuúba, que realiza na Amazônia.

Algumas palavras das autoridades
Edgar falou sobre o histórico do uso indevido dos biomas do nosso estado e como a exploração predatória levou ao quase desaparecimento. Reforçou que o Seminário torna possível pensar a restauração de forma sustentável, pois é possível usar esses produtos de maneira racional, trazendo bom resultados em termos de comercialização. Luís Fernando comemorou as parcerias entre IF e FF visando à conservação florestal. Reforçou o compromisso das instituições de buscar proporcionar o enriquecimento das populações tradicionais, considerada sua importância no processo. Ishikawa afirmou que não poderia deixar de participar desta iniciativa pioneira, que vai ao encontro dos propósitos técnicos e humanísticos que a ABJICA persegue. Segundo ele “devemos desenvolver formas sustentáveis de cultivo preservando as características ambientais e sobretudo manter o homem do campo em seu habitat, dando-lhe dignidade.” O vice-cônsul Takeshi falou sobra a importância da conservação do bioma para a solução do problema de abastecimento em São Paulo.

Degustação
O Instituto Florestal possibilita que os participantes do evento obtenham a comprovação daquilo que é dito nas palestras: que a biodiversidade tem sabor.

Durante os intervalos, todos puderam degustar produtos preparados com frutas nativas da Mata Atlântica, como bolos, biscoitos, geleias, pães e sucos de frutas. No período da manhã as comunidades do Bairro Rio Preto e Guapiruvu preparam diversas delícias com o fruto da palmeira juçara. Durante o almoço, o chef Rodrigo Oliveira serviu como sobremesa panacotas de uvaia, jabuticaba e pitanga. No final da tarde, o Instituto H&H Fauser mostrou as possibilidades do cambuci.

O fruto da palmeira juçara
Juçara é sempre um dos grandes destaques do Seminário. A palmeira juçara é uma espécia nativa da Mata Atlântica seriamente ameaçada de extinção, principalmente por conta do corte para a extração do palmito, que mata a árvore.

Na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu descrevendo a chegada dos portugueses no Brasil em 1500, é relatada a abundância de palmeiras bem como a extração do palmito. A palmeira também aparece em 1987 na “Canção do exílio” de Gonçalves Dias: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá…”.

Oscar Graça Couto faz parte do Programa Frente pró Juçara do Projeto Amável: a Mata Atlântica Sustentável, que acontece no município de Resende/RJ e tem como objetivo repovoar a Mata Atlântica com a espécie. Segundo ele, o movimento capacita as comunidades e busca agregar valor aos produtos, além de distribuir sementes para quem quiser cultivar. “Em vez de uma atividade criminosa na calada da noite, que é o caso da extração do palmito, propomos uma atividade legal e lucrativa, que é a coleta de frutos e a disseminação de sementes”.

Oscar acredita na possibilidade da popularização do juçara da mesma forma como ocorreu em anos passados com o açaí, que é de origem amazônica e se popularizou em todo o país à partir da região sudeste. O chef Rodrigo de Oliveira também fala sobre a disseminação do açaí parafraseando Massimo Montanaro: “tradição é a inovação que deu certo”. E ambos acreditam que o juçara pode dar cada vez mais certo.

Sobre alguns dos benefícios do fruto da palmeira juçara, Oscar conta que possui 70% mais ferro que o açaí e 30 vezes mais antocianina que o vinho. Reforça que o açaí já é bastante rico em ferro e que o consumo do vinho é recomendado pelos médicos por conta da antocianina.

Conservação Genética
O pesquisador científico do IF Miguel Luiz Menezes Freitas realiza trabalhos de pesquisa e conservação no âmbito do Projeto Pomar de Sementes com diversas espécies nativas, como o cambuci e o juçara. Na ocasião, apresentou o trabalho que tem realizado junto à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) no Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Picinguaba com o cambucá.

O cambucá é uma espécie rara, parente da jabuticaba, que demora 20 anos para dar frutos. Miguel conta que a Fazenda Cambucá, que faz parte do Parque, leva esse nome mas não possuía mais a espécie. Ali foi instalado o Pomar, com objetivo de manter material genético armazenado a longo prazo e, em caso de alguma catástrofe ambiental, poder disponibilizar esse material com variabilidade genética para a região. Miguel diz que a ênfase dada às espécies do Projeto são as frutíferas, pois atraem a fauna e a área fica mais completa com diversidade de espécies.

Papo com o chef
O chef Rodrigo de Oliveira falou sobre como atualmente as pessoas não tem mais o costume de cozinhar a própria comida e que isso impacta negativamente em nossa saúde. Conta que, por conta da falta de tempo para cozinhar e na busca por alternativas de uma alimentação saudável, as pessoas querem viver a experiência da gastronomia. E por isso programas de televisão sobre o tema estão entre os mais assistidos no Brasil e no mundo. E neste contexto os chefs se tornam formadores de opinião. Levantam bandeiras.

Oliveira abraçou a causa de promover os frutos da nossa terra em seu trabalho. Alerta para a necessidade desses produtos serem práticos em seu preparo e terem preço acessível. Acredita que há de se encontrar um bom termo para que esses produtos sejam competitivos no mercado. “E tem que ser gostoso”, reforça.”De nada adianta servir frutas da mata atlântica que as pessoas não gostem”.

O chef ainda provocou o público perguntando o que lhes parecia mais exóticas: framboesa e morango ou uvaia e grumixama? (apenas as duas últimas são nativas)

Fotos: José D. Senhorinho e Paulo A. Muzio

Mais informações: Pesquisador científico Luis Alberto Bucci – Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – Tel.: (11) 2208-6080 / 2208-6082