A má fama do pinus é capaz de promover torção instantânea de narizes antes mesmo que se tenha a chance de dizer algo sobre ele. Pudera, em regiões muito úmidas, a espécie exótica e invasora tem alto potencial de se espalhar, sufocando a vegetação nativa, como já foi bem documentado no Sul e no Sudeste do país. Além disso, em florestas plantadas com a árvore (para silvicultura), normalmente se considera que ocorre um empobrecimento do solo, levando à existência de verdadeiros desertos verdes.

Mas em situações muito específicas de plantações com ciclos longos de manejo, localizadas em áreas onde não há o risco de invasão, pode haver espaço para a regeneração das plantas originais do território. É o que mostra um trabalho desenvolvido durante um curso de ecologia da restauração promovido pela Unesp em Botucatu e o Instituto Florestal, e cujos resultados estão sendo publicados neste mês na revista Forest Ecology and Management.

Um grupo de alunos de várias instituições conduziu uma investigação na reserva do Instituto Florestal em Assis, comparando um fragmento de “cerradão”, a variante mais fechada e florestal deste tipo de vegetação, presente na estação ecológica, com um trecho da floresta estadual, de pinus (Pinus elliottii), voltado para a produção florestal, no qual se observava um renascimento da vegetação nativa. A ideia era checar o grau de variedade de espécies de Cerrado florescendo sob o dossel da árvore exótica.

“Esperávamos encontrar uma riqueza bem menor, mas nos surpreendemos”, conta Sergianne Frison, doutoranda em Ciência Florestal da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, uma das autoras do trabalho. No inventário botânico feito em fevereiro e março do ano passado, o grupo constatou a presença média de 70 espécies em cada uma das quatro áreas sob pinus e de 54 em cada um dos quatro fragmentos de cerradão. Dezoito espécies foram encontradas exclusivamente na floresta plantada e oito na vegetação nativa.

Os cientistas alertam que esse resultado é bastante específico para aquela região, não significando que possa ser observado ou replicado em outras plantações. Uma das questões-chave para isso é o tempo de manejo. Na floresta de Assis, são feitos desbastes progressivos de algumas árvores, para abrir espaço para que as restantes possam ficar grandes e grossas. Só depois de uns 30 anos é que esses indivíduos são cortados para abastecer serrarias.

Plantações comerciais em geral são cortadas num tempo bem menor. Essa movimentação no terreno praticamente impede que remanescentes do Cerrado tenham alguma chance de despontar. Até porque, se a vegetação no sub-bosque se adensar demais, o produtor dificilmente terá autorização para seguir cortando madeira.

“No caso que estudamos, tudo leva a crer que, com o corte dos últimos pinus, a vegetação de Cerrado irá se recuperar e retomar a sucessão. Isso está ocorrendo devido à alta resiliência da vegetação nativa. Mas há locais em que isso não acontece, de modo que não se pode generalizar e dizer que basta plantar eucalipto ou pinus e a vegetação nativa vai voltar”, explica Rodolfo Abreu, doutorando de Ciências da Engenharia Ambiental na USP de São Carlos e primeiro autor do trabalho.

Isso também não vale, é bom lembrar, para áreas de muita umidade, como restingas e zonas ripárias, por exemplo, uma vez que nelas o pinus encontra plenas condições de continuar se reproduzindo e se espalhando por onde houver espaço. Já em locais que apresentam uma estação seca bem definida, como é o caso do planalto paulista, as sementes, quando são produzidas, não têm condições de germinar por conta própria, e as plantações
se mantêm estáveis.

Sem fogo e com muita sombra

Além da noção de “deserto verde”, o grupo de pesquisadores esperava encontrar uma variedade bem menor embaixo do dossel dos pinheiros porque supunha que as adensadas árvores de cerca de 25 metros de altura fariam muita sombra no solo, não favorecendo o crescimento embaixo delas. Mas esse quesito também surpreendeu. Medindo a luminosidade nos oito trechos, acabaram percebendo que o cerradão estava ainda mais escuro.

Isso ficou evidente pelas espécies encontradas exclusivamente em cada tipo de vegetação. As 18 que estavam somente sob o dossel de pinus são típicas de cerrados com uma fisionomia mais aberta, menos tolerantes à vida na sombra – que é como se imagina que era aquela região antes do desmatamento conduzido ali na década de 1960. Ao passo que as plantas observadas unicamente no cerradão são tolerantes à sombra, tanto que ocorrem também na Mata Atlântica.

A inesperada descoberta levou a equipe a formular uma hipótese no mínimo polêmica dentro do tema conservação florestal. Eles defendem que o cerradão fechado, com características mais florestais, atua como um filtro ecológico mais restritivo ao desenvolvimento de algumas espécies endêmicas de Cerrado que são mais tolerantes ao sol.

Para entender o que isso significa é preciso lembrar que no grande bioma Cerrado, normalmente caracterizado pelas árvores baixas e retorcidas, ocorrem padrões diferenciados de vegetação, como cerrados, cerradão, campos limpos e sujos, até cordilheiras e veredas. Em comum, a adaptação aos incêndios naturais, provocados por raios, o que tornou essas paisagens extremamente resilientes.

Mas diante de queimadas muito frequentes, como as causadas pelo avanço da agropecuária, não há resiliência que dê conta. E para fins de conservação, remanescentes de Cerrado mantidos em reservas passaram a ser protegidos do fogo. “Agora estamos vendo uma mudança do Cerrado no Estado de São Paulo, ele vem se adensando”, afirma Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal em Assis e coordenadora do curso de restauração junto com Vera Lex, da Unesp.

Segundo Giselda, que também assina o artigo, na década de 1960 a maior parte do Cerrado paulista apresentava umafisionomia mais aberta, com o cerradão ocupando cerca de 10% do Estado. A supressão do fogo propiciou o gradativo adensamento, e as espécies endêmicas de fisionomia mais aberta estão sumindo, diz: “Um fogo de vez em quando pode ser necessário, mas ainda precisamos assimilar isso”.

Fonte: Revista Unesp Ciência, outubro, 2011, p. 42-43.

Foto: Giselda Durigan.

Texto: Giovana Girardi.

Maiores informações: Pesquisadora científica Giselda Durigan – Tel.: (18)3325-1066 / (18)3325-1045 / (18)3323-8330